terça-feira, 30 de março de 2010

Textualidade, Interpretação e Compreensão Leitora

PARTE I
Os técnicos e governantes responsáveis pela educação, usualmente, definem como um dos grandes objectivos, (que figuram em projectos, linhas orientadoras, planos ou manuais) que a criança deve desenvolver o “prazer da leitura”. Contudo, as convenções ilustram um outro panorama, onde a leitura se restringe à comunicação estereotipada, repetitiva e sem aplicação ao quotidiano.
Fernando Azevedo (i) sublinha como consequências deste panorama “(…) a forte dificuldade de o leitor aceder à maioridade na leitura, de adquirir a iniciativa para as suas próprias selecções textuais e de manifestar em relação a ela esse prazer e voracidade que os programas de ensino tanto clamam que compete à escola promover!” (2002: 5)(ii) .
A consequência mais óbvia deste cenário, e que é igualmente referida por Emília Ferreiro (1996: 18-19), são leitores acríticos, com dificuldades na interpretação, na argumentação e compreensão de um texto, do autor, e das ideias que o texto poderá estar a partilhar com o leitor.
A leitura e a escrita são, deste modo, utilizadas para ser copiadas e reproduzidas, e não para interpretar e compreender.
“A escola (como instituição) se converteu em guardiã desse objecto social que é a língua escrita e solicita do sujeito em processo de aprendizagem uma atitude de respeito cego diante desse objecto, que não se propõe como um objecto sobre o qual se pode atuar, mas como um objecto para ser contemplado e reproduzido fielmente, sem modificá-lo.” (Ferreiro, 1996: 21)
As crianças enfrentam dificuldades em desenvolver-se como leitores criativos, autónomos e críticos quando estão perante diferentes textos ou objectos. Algumas questões poderão ser levantadas neste domínio:
- A selecção canónica dos manuais escolares, dos livros que devem ser utilizados no ensino poderá estar a limitar a acção dos docentes e dos alunos?
- A formação inicial dos docentes incentiva ao espírito crítico, de modo a que estes o consigam aplicar nas suas salas de aula?
- Os manuais escolares estão actualizados, e são considerados adequados e com aplicabilidade ao quotidiano das crianças?
Ferreiro afirma:
“(…) o respeito pela forma se põe adiante de qualquer intenção de interpretar o conteúdo (…)”. (1996: 22)
As intenções colocadas nos programas resultam, deste modo, infundadas, sem plataformas educativas capazes de sustentar o incentivo, a criatividade, “o prazer” de ler, de interpretar, de desconstruir um texto para desocultar o oculto e descobrir o encoberto.
Ferreiro (1996) realça o facto de, no domínio da leitura, da escrita e da interpretação de textos, o ensino estar ainda amarrado à escola tradicional segundo a qual se supõe que a criança aprende “(…) através da repetição, da memorização, da cópia reiterada de modelos, da mecanização.” (op.cit.: 22)
Para que os alunos se possam desenvolver no sentido de uma transformação activa, em espiral, característica da textualidade, o educador/ professor deverá ter consciência que as crianças tomam contacto com a leitura e a escrita antes de entrar para a escola.

i) Professor auxiliar da Universidade do Minho, Instituto de Estudos da Criança, Departamento de Ciências Integradas e Língua Materna.
ii)Disponível na World Wide Web em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/2857/1/Azevedo2002.pdf [online citado em 15 de Agosto de 2006]

segunda-feira, 1 de março de 2010

Textualidade

Por textualidade entende-se a disciplina que tem na sua essência potenciar a acção do indivíduo perante um texto, na medida em que o interpreta, questiona e compreende. A interpretação de um texto é entendida como um processo dinâmico, que abrange todas as interpretações textuais, quer seja objectos ou textos escritos, sonoros ou visuais.
A textualidade como disciplina está intimamente conectada com a interpretação dos textos, com a procura de sentido e o cruzamento de significados entre o autor do texto, o texto e o leitor.
É numa dinâmica de círculo hermenêutico, pergunta-resposta-pergunta, e numa relação triádica entre autor-texto-leitor que considero ser possível potenciar crianças autónomas, críticas e criativas com competências e capacidades para interpretar e compreender o que lêem.
Um texto parte sempre de um determinado significado, que por sua vez, convoca significados na recepção, no sujeito, no intérprete, que tem uma rede organizada no sentido de cruzar os significados da recepção com os da produção, tornando possível a interpretação do texto.
A leitura é necessariamente criativa e não é susceptível de ser lida como uma actividade de mimetização, uma vez que age sobre o texto. Em momentos e contextos diferentes, o sujeito que age sobre o objecto ou texto, fá-lo de forma diferente regenerando a interpretação que tem do texto, como refere Ceia: “A significação de um texto nunca está acabada.” (1995: 47)
Surge então a dialéctica da literatura, como refere Carlos Ceia (In http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/D/dialectica_da_literatura.htm) , numa perspectiva hermenêutica. Ou seja, a desconstrução, as inferências e cruzamentos de significados que o leitor efectua sobre, para e com o texto, produzindo interpretações, dialogando com o texto. A possibilidade de realizar diferentes interpretações de um texto em diferentes momentos da vida do interpretante promove o conflito, que segundo Ricouer, sublinhado por Carlos Ceia, “(…) só o conflito das interpretações nos pode dar alguma coisa do ser interpretado” (Ibid).
Gostaríamos de sublinhar a relevância da actuação dialéctica com quatro princípios nomeados por Ricoeur (In http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/D/dialectica_da_literatura.htm), nomeadamente: “Como funciona o texto? ; Do que é que fala o texto? ; O que é que o texto me diz que seja comum à experiência de leitura dos outros?; Como é que o meu mundo mudou em função da leitura do texto?”.